quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Lula, meu álibi

A blindagem política para as jogadas comerciais

Por várias razões, a coluna de Diogo Mainardi, na última edição de Veja, é exemplar para uma análise de caso, sobre a manipulação das notícias para propósitos de disputas empresariais.
Consiste em juntar um conjunto de informações detalhadas (número de contas, de cheques, valores) e compor uma salada, muitas vezes sem lógica, confiando na falta de discernimento dos leitores. Compensa-se a falta de lógica com excesso de detalhes. Depois, se confia que a complexidade do tema impedirá com que as afirmações sejam conferidas.
A coluna falava do inquérito que corre na Itália sobre operações fraudulentas da Telecom Itália. Mainardi alegou ter informações reservadas do inquérito, não as divulgou, mas aproveitou para lançar ameaças a jornalistas que ousassem criticá-lo.
O centro de suas acusações eram US$ 100 mil recebidos pelo advogado Marcelo Elias – que derrotou Daniel Dantas em um caso rumoroso na corte inglesa. Segundo Mainardi, esses US$ 100 mil teriam sido pagos a Elias, para que distribuísse entre autoridades e jornalistas brasileiros.
O primeiro furo foi a tentativa de de atribuir o dossiê a fontes italianas. Conforme você conferiu no capítulo anterior, o bookmark deixava claro que era uma fonte brasileira.
O segundo engôdo foi o álibi para a publicação da coluna. A única justificativa para publicar uma notícia é quando há um fato novo. Mainardi apresentou o dossiê como algo inédito, recém-chegado da Itália. Era notícia requentada. No dia 11 de outubro de 2006, na coluna “Notícias da Itália” Mainardi já havia se referido a esses fatos (clique aqui).

Nessa coluna, um dos parágrafos chamava atenção:
“A Business Security Agency era administrada por Marco Bernardini, consultor da Pirelli e da Telecom Italia. Ele entregou todos os seus documentos bancários à magistratura italiana. Há uma série de pagamentos em favor do advogado Marcelo Ellias: 50.000 dólares em 13 de julho de 2005, 200.000 em 5 de janeiro de 2006, 50.000 em 2 de fevereiro de 2006. De acordo com Angelo Jannone, outro funcionário da Telecom Italia, Marcelo Ellias era o canal usado pela empresa para pagar Luiz Roberto Demarco, aliado da Telecom Italia na batalha contra Daniel Dantas, e parceiro dos petistas que controlavam os fundos de pensão estatais”.
Os tais US$ 100 mil já tinham sido mencionados ali.
No final da coluna, a mesma esperteza de sempre: incluir Lula de alguma maneira, no estilo "prego sobre vinil", para conseguir o álibi político:
A revista Panorama reconstruiu também um caso denunciado por VEJA: aqueles 3,2 milhões de reais em dinheiro vivo retirados da Telecom Italia em nome de Naji Nahas. Um dos encarregados pelo pagamento conta agora que o dinheiro foi entregue a deputados da base do governo, do PL, membros da Comissão de Ciência e Tecnologia.
Lula se orgulha de seu prestígio internacional. Orgulha-se a ponto de roubar aplausos dirigidos ao secretário-geral da ONU. O caso da Telecom Italia permite dizer que o lulismo realmente ganhou o mundo. Em sua forma mais autêntica: o dinheiro sujo.
Ora, era sabido que Marcelo Elias era advogado contratado da Telecom Itália. Com ele trabalhavam mais dois advogados, um deles na Inglaterra. Como coordenador das ações, cabia a ele receber o pagamento e remunerar o trabalho da equipe.
Qualquer pessoa com um mínimo de discernimento saberia que, para ações desse tamanho, honorários de US$ 100 mil eram ridículos. Provavelmente Elias ganhou muito mais do que isso apenas como honorários, sem contar o que repassou para os demais advogados, por pagamento de serviço.
Além disso, como especialista em legislação internacional, Elias poderia tranqüilamente receber seu dinheiro em uma offshore, sem ser identificado. Mas preferiu receber em uma empresa registrada, com tudo declarado em seu nome, imposto pago, e registro dos pagamentos feitos para terceiros. Esse tipo de conta – onde o advogado recebe os pagamentos – é chamada de “client account”.
Em seu podcast, Mainardi deu o número da conta e o valor recebido como se fosse fruto de uma investigação sigilosa que tinha identificado um crime. E não passava de um registro normal de pagamento de serviços advocatícios, registrado na contabilidade da Telecom Italia.
Tome-se o caso de Roberto Mangabeira Unger.
Teoricamente, seu trabalho era similar ao de Elias. Cabia a ele coordenar uma equipe de advogados para tratar de um conjunto de ações.
Os pagamentos foram efetuados em nome dele e de The International Strategies Group, em uma "client account". Em 2005 foram US$ 900 mil dólares. Nos anos anteriores, mais US$ 1 milhão. Se juntar tudo, a conta aumenta substancialmente. Parte desse dinheiro era para remunerar advogados da equipe - tal e qual Elias, tudo legalizado, só que em valores muito maiores.
Mas havia muito mais. Carlos Alberto Almeida Castro, o notório Kakai, advogado de Brasília, com vinculações políticas óbvias, recebeu US$ 8,5 milhões para uma causa que ele não tinha sequer procuração. O advogado Roberto Teixeira, quase R$ 1 milhão. R$ 1 milhão para Oliveira Lima, atual advogado de José Dirceu.
Tudo isso sem contar quantias elevadas colocadas em assessorias de imprensa.
Só a FSB tinha quatro contratos, um de R$ 30 mil mensais; outro de R$ 400 mil por ano, no total quase R$ 1 milhão, sem nenhuma evidência de serviço prestado. Muitas e muitas assessorias receberam somas milionárias muito mais do que os honorários normais de mercado. Para onde ía esse dinheiro?
Eurípedes e Mainardi poderiam alegar desconhecimento sobre esses universo. Acontece que, depois da primeira coluna de Mainardi, o advogado Elias encaminhou carta protocolada a Eurípedes dando-lhe ciência de todos os honorários pagos pela Brasil Telecom (sob a gestão Dantas) a esses advogados. A desproporção de valores era enorme.
Não era possível mais o álibi da ignorância ou a síndrome do “boimate” – de supor que US$ 100 mil são suficientes para comprar a República.
Não ajudou em nada. O colunista continuava repetindo as mesmas afirmações (desmentidas), e Eurípedes garantindo a Roberto Civita que todas as afirmações eram fundamentadas. E ambos usando dados falsos para intimidar jornalistas, na crença de que, com o pacto de silêncio da mídia em torno do tema, com nenhum veículo se animando a denunciar esse esquema, todos ficariam intimidados, pela falta de espaço para se defender.
Não se deram conta do fenômeno da Internet.
A possível fraude
No domingo, quando publiquei o Capítulo sobre esse suspeito dossiê italiano, cujo link estava na coluna de Mainardi, alguns leitores fizeram o download, analisaram o documento e ajudaram a reforçar as suspeitas de fraude:
1) O documento não tem começo nem final. O documento tem duas numerações. Uma, aparentemente a numeração oficial do inquérito. Outra, uma numeração específica do documento. Por exemplo, a primeira página tem o número 1 (que é do dossiê entregue a Mainardi) e o número 136 (que provavelmente é do inquérito da polícia italiana). Significa que foram escondidas as 135 primeiras páginas do inquérito original. O que continham?
2) A diferença da numeração no inicio do arquivo é de 135 paginas. Já no final é de 140, indicando que foram suprimidas 5 paginas, sem motivo algum. Entre a penúltima e a última página estão faltando a 317 e 318.
3) Depois, a numeração do documento vai até a página 75 (que corresponde à página 210 do documento original). A partir daí, acaba a numeração original. É um claro sinal de que alguma coisa, que não interessava, foi suprimida do documento original.
4) É só conferir a página 97 do documento. Começa a falar de Motta Veiga (o principal contato de Dantas com a mídia) e, de repente, acaba.
Há indícios fortes de que Mainardi divulgou intencionalmente uma fraude.
Nos próximos capitulos vamos dar uma folga a vocês, sair de temas espinhosos, e mostrar outros campos onde o anti-jornalismo da Veja deixou rastros e impressões digitais.

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